Em defesa de uma relação sustentável entre solo e máquina

Brasília, 4 de dezembro de 2025.

A construção de uma linha de pesquisa na academia geralmente demanda muitos anos de atuação. E assim, nos últimos 20 anos, a Relação Solo e Máquina vem sendo uma preocupação crescente do Departamento de Engenharia de Água e Solo da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade de Campinas (Feagri-Unicamp), buscando sistematizar o uso de implementos agrícolas com sua sustentabilidade. O tema que ganha uma nova dimensão no país, a partir da realização da 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP 30), em Belém, no mês passado, tende a ser cada vez mais dimensionado em todo o mundo.

 

Participantes do fórum especial organizado pelos professores Renato Paiva e Zigomar Menezes no Centro de Convenções de Campinas: novos rumos para a relação Solo-Máquina
Participantes do fórum especial organizado pelos professores Renato Paiva e Zigomar Menezes no Centro de Convenções de Campinas: novos rumos para a relação Solo-Máquina na Engenharia de Água e Solo



Na última sexta-feira (28/11), no Centro de Convenções de Campinas, a Feabri  promoveu um fórum especial para debater o tema “Desafios para o manejo de solos agrícolas no Brasil e no mundo – Uma abordagem na Engenharia de Água e Solo”. Como explica o professor Renato Paiva de Lima, enquanto a Agronomia fala em manejo de solo e água, a Engenharia Agrícola dedica-se ao desempenho dos equipamentos e tecnologias relacionados à água e solo. “Essa linha de pesquisa, Relação Solo e Máquina, preocupada com o papel do solo no contexto agrícola e ambiental, ainda não é uma linha valorizada. Acreditamos cada vez mais na importância dessa relação”.

Ele foi um dos organizadores do fórum, ao lado do também engenheiro agrônomo Zigomar Menezes de Souza, um dos responsáveis pela introdução da linha de pesquisa na Unicamp, em 2006. Área interdisciplinar e com interface também com a Engenharia Ambiental, no caso da relação Solo e Máquina, além da Agronomia, a Engenharia de Água e Solo trabalha com outras linhas de pesquisa, como hidrologia, recursos hídricos e irrigação. E envolve conhecimentos das Engenharias Hídrica (estuda a gestão de recursos hídricos, sistemas de água e drenagem) e de Solos (analisa as propriedades físicas e mecânicas dos solos para projetos de fundações, contenções e estradas). Seus profissionais atuam em projetos de irrigação, drenagem, gestão de bacias hidrográficas, construção de barragens, portos e obras de fundação e contenção, erosão, fertilidade e conservação. “Temos entrado nessa lacuna”, diz, informando que após cerca de três décadas de mecanização agrícola do país, o aumento recente do peso das máquinas levou à preocupação da Engenharia Agrícola com essa interação. 

Apesar desse enfoque na entrevista a seguir, o professor Renato Paiva de Lima reconhece que essa relação da conservação e saúde do solo e água com a máquina – integrando conhecimento científico, inovação e responsabilidade ambiental para promover sistemas agrícolas mais resilientes e sustentáveis – não foi diretamente tratada durante o fórum. E considera que “todas as grandes culturas agrícolas são mecanizadas, inclusive as da agricultura familiar. Por conta de questão financeira, ela não consegue introduzir máquinas. Mas do preparo do solo, ao uso de defensivos e à colheita, usa-se mecanização, que garante alta produtividade, ao custo da saúde do solo”.

Segundo ele, a descompactação com implementos agrícolas resulta em uso de muito combustível fóssil, motivo pelo qual “a nossa preocupação é prevenir a compactação”. Nesse sentido, ele ressalta que mesmo pequenos tratores, anunciados atualmente para o incremento da agricultura familiar, podem ser importantes para aumentar a produtividade, “mas não se pode deixar de preocupar-se com o impacto dessas máquinas no solo, pois elas eliminam poros do solo e destroem sua estrutura de serviços, como retenção de água, infiltração de água e estoque de carbono”.
 

Confea - Quais foram os principais pontos de vista sobre o manejo de solos agrícolas, apresentados durante o fórum, uma semana após a reunião da COP 30 em Belém? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – Durante o fórum, destacou-se que a saúde do solo está seriamente ameaçada em sistemas agrícolas sem controle de tráfego, onde a compactação ocorre de forma contínua e destrói, em segundos, solos saudáveis que levam anos para serem construídos. Ressaltou-se que as máquinas têm aumentado em tamanho, peso e potência, embora essencial à produtividade, elas têm aprofundado o problema. Discutiu-se que a dependência recorrente da descompactação mecânica com subsoladores é cara, consumindo litros de combustíveis fosses e emitindo gases de efeito estufa para a atmosfera. Defendeu-se a adoção de tecnologias de predição do risco de compactação com modelos computacionais de predição e sistemas de tráfego controlado como estratégias centrais. Apontou-se que proteger o solo deve se tornar uma política pública e uma nova linha estratégica de pesquisa.

Confea -  Quais são as principais soluções técnicas e inovações para a conservação do solo, de um ponto de vista sustentável? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – As principais soluções destacadas incluem o diagnóstico preciso da profundidade e da heterogeneidade das camadas compactadas, permitindo intervenções direcionadas e eficientes. O uso de sistemas de tráfego controlado, aliado ao ajuste adequado das máquinas e à navegação de precisão via GPS, foi apontado como essencial para reduzir o impacto mecânico sobre o solo. Também se ressaltou a importância de operar as máquinas somente em condições adequadas de umidade, minimizando o risco de deformações permanentes. Já há modelos de predição de propagação de stress e predição de deformação e aumento de densidade que podem aplicados para este fim. Por fim, a adoção de tecnologias avançadas de pneus, capazes de ajustar a área de contato com o solo, foi apresentada como uma inovação chave para diminuir a compactação e promover uma conservação do solo verdadeiramente sustentável.

 

Professor Renato Paiva de Lima (Unicamp), ao lado da professora Karina Maria Vieira Cavalieri-Polizeli (UFPR) e do professor Diogenes Luis Antille (CSIRO, Austrália), durante o evento
Professor Renato Paiva de Lima (Unicamp), ao lado da professora Karina Maria Vieira Cavalieri-Polizeli (UFPR) e do professor Diogenes Luis Antille (CSIRO, Austrália), durante o evento



Confea - Como a preocupação ambiental deve ser dimensionada atualmente para o tratamento dessas duas áreas? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – A preocupação ambiental deve ser ampliada para reconhecer que os solos agrícolas são provedores essenciais de serviços ecossistêmicos, responsáveis pela infiltração e armazenamento de água, pela manutenção da biota e pela estabilidade do ecossistema. A perda dessas funções — causada sobretudo pela compactação em áreas sem controle de tráfego — leva à erosão, à redução da aeração e à alteração do regime de infiltração, afetando diretamente a produtividade agrícola e o meio ambiente. Portanto, o tratamento das áreas agrícolas deve integrar a conservação do solo como eixo central, adotando práticas que preservem suas funções ecológicas e assegurem a sustentabilidade da produção de alimentos.
 

Confea - Qual a importância desse estudo para incrementar a segurança alimentar do país?
 

Eng. agron Renato Paiva de Lima – A discussão no evento reconhece que o problema afeta a segurança alimentar porque demonstra que a compactação do solo reduz sua permeabilidade e altera todo o regime hidrológico, favorecendo problemas como assoreamento, contaminação de cursos d’água e alteração na mobilidade de contaminantes e fertilizantes. Esses impactos comprometem não apenas a produtividade agrícola, mas também a qualidade da água e a estabilidade dos ecossistemas que sustentam a produção. Ao compreender e mitigar a compactação por meio de diagnóstico adequado, manejo inteligente e tecnologias de tráfego controlado, preservam-se as funções fundamentais do solo. Isso garante sistemas agrícolas mais resilientes, eficientes e capazes de sustentar a produção de alimentos de forma segura e contínua no país.

Confea - O pensamento científico está sendo mais valorizado atualmente? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – Sim, o pensamento científico tem ganhado maior valorização, mas o fórum destacou que ainda há grandes desafios na engenharia de água e solo. A compactação permanece longe de ser superada, especialmente porque o contínuo aumento de massa das máquinas agrícolas representa uma ameaça crescente à saúde do solo. A agricultura resiliente e a manutenção da saúde do solo competem de forma desigual com o estresse mecânico imposto pelo tráfego agrícola. O grupo enfatizou que a compactação é um obstáculo direto à agricultura de baixo carbono, pois aumenta emissões, degrada funções ecológicas e reduz eficiência produtiva. Reconhecer o problema como central é o primeiro passo para enfrentá-lo de forma técnica e sustentável.

Confea - Quais são as principais barreiras para desmitificar a atuação da Engenharia de Águas e Solos e a própria engenharia agrícola como um todo? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – O grupo destacou que uma das principais barreiras é a histórica separação entre duas áreas que deveriam atuar de forma integrada: a agronomia, focada por décadas nos impactos sobre o solo, e a engenharia, concentrada sobretudo na performance das máquinas. Essa divisão dificultou a compreensão da relação solo–máquina, que é justamente onde se originam muitos dos problemas de compactação e degradação. Outro desafio é a baixa valorização do tema, ainda subestimado frente ao avanço tecnológico das máquinas, cujo aumento de massa continua sendo uma ameaça à saúde do solo. Superar essas barreiras exige reconhecer a Engenharia de Águas e Solos como campo estratégico, capaz de unir conhecimento agrícola e engenharia para propor soluções reais e sustentáveis.

Confea - Temos visto conceitos que não são exatamente novos, como “agroecologia”, “agrofloresta” e até mesmo o manejo do solo e dos recursos hídricos sendo cada vez mais reconhecidos na sociedade. Quais são as grandes vantagens alcançadas por essas práticas nos últimos 50 anos?

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – As últimas cinco décadas mostraram que práticas como agroecologia, agroflorestas e o manejo integrado do solo e da água oferecem vantagens profundas para a sustentabilidade agrícola. Após um longo período marcado pela expansão de áreas e pela agricultura intensiva, a crise climática evidenciou que produzir em equilíbrio com as funções ecossistêmicas é essencial para manter solos vivos e produtivos. Aprendemos que sistemas que imitam a floresta — com maior cobertura, diversidade vegetal e interação entre raízes, matéria orgânica e água — promovem melhorias expressivas na estrutura do solo, aumentam infiltração, reduzem erosão e fortalecem a biota. Embora ainda seja desafiador implementar essas práticas em grandes escalas, agroecologia e agroflorestas têm se mostrado caminhos concretos para restaurar a saúde do solo, aumentar a resiliência agrícola e ampliar a oferta de serviços ecossistêmicos.

Confea - Qual a importância de um evento como a COP 30 debater esses temas? 

Eng. agron. Renato Paiva de Lima – A importância da COP 30 em debater esses temas torna-se ainda maior quando reconhecemos que a compactação do solo é hoje uma das ameaças mais silenciosas e generalizadas à sustentabilidade agrícola. Ao reduzir a infiltração, alterar o regime hidrológico e degradar as funções ecossistêmicas, a compactação compromete tanto a produção de alimentos quanto a segurança hídrica e climática. Por isso, um evento global como a COP 30 oferece o espaço necessário para colocar a saúde do solo no centro das discussões, promover ações integradas entre ciência, governos e sociedade e impulsionar políticas que valorizem práticas de manejo sustentável, conservação do solo e agricultura de baixo carbono. Esses debates são essenciais para assegurar sistemas agrícolas resilientes e ambientalmente equilibrados em escala mundial. A compactação e o tráfego agrícolas devem ser incluídas nessas discussões.

Henrique Nunes
Equipe de Comunicação do Confea